Brasília/DF, 19 de setembro de 2025. O Governo Federal encaminhou ao Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 4675/2025 sobre regulação econômica, cujo alcance pode afetar empresas de diferentes setores da economia que utilizam tecnologias digitais em seus modelos de negócio. Trata-se de uma proposta que altera de forma estrutural a política concorrencial no País, com repercussões para a inovação e o desenvolvimento econômico do Brasil, e que, por isso, deve ser avaliada com cautela.
A Associação Latino-Americana de Internet (ALAI) acompanha esse debate desde os movimentos iniciais. Contribuímos em consultas públicas, apresentamos pareceres técnicos, publicamos estudos econômicos detalhados e participamos de audiências parlamentares. Esse histórico ressalta nosso compromisso de longo prazo em apoiar políticas públicas fundamentadas em evidências, proporcionais e ajustadas à realidade brasileira.
Em parecer técnico apresentado em resposta ao relatório do Ministério da Fazenda publicado em outubro de 2024, e agora na análise do projeto de lei enviado ao Congresso, destacamos pontos de preocupação que permanecem centrais:
- Crítica conceitual: reiteramos que não existem “mercados digitais” apartados da economia, pois todos os setores, do agronegócio ao varejo, utilizam tecnologias digitais em seus modelos de negócio. Criar uma categoria regulatória autônoma gera distorções e insegurança.
- Duplicação institucional: criação de uma nova Superintendência de Mercados Digitais no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), com risco de sobreposição de funções e insegurança institucional.
- Critérios amplos de designação: faixa de corte de receita e critérios qualitativos genéricos que podem dar espaço para designações casuísticas.
- Lista extensa e aberta de obrigações preventivas: imposição de exigências restritivas à atividade econômica, como interoperabilidade, portabilidade e notificações de concentrações, sem comprovação de falhas de mercado nem de riscos de efeitos anticompetitivos.
- Custos e exigências desproporcionais: relatórios periódicos, auditorias independentes custeadas pelas empresas e multas elevadas, com forte impacto em compliance.
- Mudança estrutural na política concorrencial: substituição da análise baseada em evidências de dano por um regime regulatório preventivo oneroso, sem diagnóstico claro que o justifique.
- Ampliação da legitimidade processual: o PL confere a órgãos e entidades da administração pública federal a prerrogativa de provocar processos de designação e imposição de obrigações, que seriam instaurados de imediato. Isso pode resultar em sobrecarga, politização e judicialização, fragilizando a segurança jurídica.
- Designações de longa duração: a possibilidade de designações com vigência de até dez anos, renováveis, tende a engessar dinâmicas de mercado extremamente voláteis e em rápida transformação.
Essas fragilidades se somam às preocupações já destacadas pela ALAI em estudos econômicos anteriores sobre um regime ex ante e rígido, cujos custos podem recair principalmente sobre consumidores, startups e pequenas e médias empresas brasileiras.
As semelhanças entre a proposta brasileira e legislações europeias – Digital Markets Act (DMA), da União Europeia, e o Digital Markets, Competition and Consumer Act (DMCC) – são claras. Tanto o DMA quanto o DMCC são abordagens ainda não testadas e que não mostraram benefícios concretos. Pelo contrário: aumentaram custos de compliance, geraram atrasos significativos para startups no acesso a inovações em inteligência artificial, prejudicaram os consumidores ao restringi-los a produtos de menor qualidade e menos integrados, e geraram perdas para pequenas empresas que se beneficiam da publicidade digital para competir. Um relatório do ex-presidente do Banco Central Europeu, Mario Draghi, sobre o futuro da competitividade da União Europeia, mostrou que a fragmentação regulatória, a burocracia e os encargos excessivos vêm travando investimentos, inovação e crescimento, ampliando a estagnação econômica europeia.
O Brasil não deve repetir os mesmos equívocos. Diferentemente da Europa, empresas brasileiras efetivamente desenvolveram opções locais de modelos globais de negócios, e frequentemente têm melhor desempenho que seus concorrentes internacionais, particularmente no varejo. Como o relatório do Ministério da Fazenda reconhece, o Brasil atingiu liderança regional na América Latina por meio de inovações voltadas ao mercado, concentrando a maior parte dos unicórnios de maior valor da região. Esse crescimento se deu na ausência de regulação ex ante restritiva, comprovando que o arcabouço existente é suficiente para apoiar tanto a inovação quanto a concorrência. Ferramentas e plataformas digitais no Brasil ampliam acesso a mercados, reduzem barreiras de entrada e geram valor para pequenas e médias empresas, sendo instrumentos de inclusão e dinamismo econômico.
A ALAI seguirá à disposição do Governo e do Parlamento para contribuir durante a tramitação legislativa. Nosso compromisso é oferecer análises técnicas e a experiência prática de nossas empresas associadas, de modo a apoiar soluções que fortaleçam a concorrência e preservem a inovação, sem impor custos que superem os benefícios.